Penúria
Pescadores da Ilha da Torotama lamentam mais uma safra sem camarão
Fórum da Lagoa vai discutir neste mês a situação que afeta também outros quatro mil trabalhadores na região
Carlos Queiroz -
Da água vem o sustento e a dor.
São três anos de redes vazias contra gerações de trabalho próspero. Não é simples se desfazer da pesca. As embarcações atracadas na Ilha da Torotama, no Rio Grande, simbolizam mais uma derrota dos pescadores. O Fórum da Lagoa dos Patos destacará a situação da região em reunião no próximo dia 25, entre líderes das comunidades. Sem pescado de camarão e corvina, a situação é urgente.
Os pescadores estão esgotados. A vida não tem sido bondosa com eles. Em outubro, uma enchente obrigou famílias da Torotama a abandonarem a ilha. “A água entrou em toda a casa. Não chegou a estragar nada, mas foi quase um mês sem saber o que ia acontecer”, lembra Clair Lopes, 57. A expressão fechada confessa a frustração de estar em casa em um dia ensolarado de fevereiro. Pescador desde os 15 anos, pelo terceiro ano consecutivo ele não exerce a prática herdada do pai.
Para não passar os dias ocioso, remenda redes de pescadores de outras áreas. São R$ 20,00 por rede - há semanas que consegue chegar até dez. A verba é pouca para colocar comida à mesa e saldar contas de água e luz. De repente, o considerado básico tornou-se luxo. Ainda assim, não desistirá do pescado. “A gente morre aqui, mas não sai daqui.”
Na casa de Valdir Rodrigues, 56, a alimentação não está em falta, no entanto, a medicação controlada de seu filho é incerta - o remédio do adolescente de 16 anos, portador de epilepsia, custa em torno de R$ 100,00. Se a lagoa não salgar, as dívidas só tendem a aumentar. Com a navalha em uma mão e a rede vazia em outra, o pescador diz não recordar de uma sequência tão negativa à safra, nos 44 anos que se dedica ao pescado. “São 36 meses sem ganhar dinheiro. E aí, o que se faz pra viver?”, questiona.
O vizinho Claudemir Borges desperta nas primeiras horas do dia para limpar seu barco. Durante as cheias do último ano, o companheiro de pesca lhe abrigou em seu espaço estreito, enquanto a água castigava a casa onde vive com a esposa e o filho. É difícil conter o pranto diante de mais uma safra fracassada. “Sem camarão comecei a pescar siri, mas até isso já desapareceu”, lamenta.
A Lagoa dos Patos não é a mesma que contribuiu para a qualidade de vida de Claudemir e sua família. Apesar de tudo, do alto de seus 50 anos, é incisivo: não planeja deixar a Ilha da Torotama ou a pesca. “Assusta, né? Mas não sei fazer outra coisa.” Seu argumento é comum entre os quatro mil pescadores do Rio Grande, São José do Norte, Tavares, São Lourenço do Sul e Pelotas, que também sofrem com o problema. A pesca do camarão é permitida até 31 de maio. No ano passado, os últimos dez dias de pesca foram os mais proveitosos para os trabalhadores da Torotama. No entanto, insuficientes para suprir a falta de restante da safra.
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